Aqui o que vale é pensar

Penso Logo... Questiono

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Voltando a caverna

Todas as noites aquele menino voltava a viver.
Movido pelas lembranças de um belo sonho chegava até a passear pertinho ali da entrada da caverna.
Lembrava do dia em que conheceu uma menina, um pouco mais nova e “tão linda...”
Vinha a sua mente, enquanto ele quase flutuava no ar, aqueles olhos que o faziam sorrir. 
Olhos que continham em dados momentos a pureza sincera e juvenil, o que o fazia sentir-se seguro e feliz perto dela. Em outros momentos continha um ar de perigo diferente de tudo o que ele conhecia e o que o assustava.
Nas lembranças, nosso menino se iluminava, tornava-se livre deixando as amarras da tristeza, da amargura e da dor, que o cerrou novamente em sua caverna.
Dor e tristeza que hoje também eram lembranças dela, esta menina.
Quando lembra desta parte da história nosso amigo, que já flutuava no clarão da lua, volta bruscamente para o fundo de sua caverna, em prantos e assustado.
Nosso pequeno não sabe dizer o momento exato em que aconteceu, mas a alegria de estar ao lado da baixinha tornou-se tristeza. 
Os sorrisos dela eram o que o fazia flutuar para fora de sua caverna e brincar, e bailar no ar.
De uma hora para outra, porém, a menina se foi.
Como que notando, com desagravo, o carinho do menino por ela, resolveu fugir.
Foi para a sua caverna, saindo somente quando nosso pequeno não estava por perto.
Desolado ele tentava trazer a sua amiga baixinha sair, chamava, cantava, deixava poemas e em alguns momentos de muita tristeza, gritava e nada... só ouvia lá do fundo... “não vou sair, vá embora, deixe-me em paz”.
Ele voltava todo dia e recebia a mesma resposta..
.
Muitos anos se passaram e nosso menino sabia que ela saía e brincava longe de sua presença, não entendia que havia acontecido e queria muito convencê-la de que não havia nada de mal em estar ao lado dele, e que ele gostava muito dela.

O que talvez nossa menina não saiba, ou talvez não queira em saber, é que ele  nunca havia saído da caverna.
Quando eles se conheceram, a menina não sabia, mas o menino estava quietinho no fundo de sua caverna porque estava muito ferido, pois como ele não saia da caverna em dadas oportunidades algumas outras meninas entravam na caverna na ânsia de tirá-lo de lá e a última havia falhado deixando-o com a sensação nele de que não era possível abrir-se com ninguém e demonstrar quem ele realmente era fora da caverna.

Naquela noite, porém, ela surgiu. Sem entrar em sua caverna, como que jogando pedrinhas somente em sua janela o atraiu para fora. Quando percebeu, pela primeira vez o menino saiu sozinho até a porta e ao vê-la não resistiu e quis conversar com aquela menina tão radiante.
Quando percebeu estava ao lado dela a brincar, a rir, a bailar no ar.

Hoje meu amigo só sai para ir chamá-la, e mesmo assim já nem sabe o porquê.

Talvez por ter se visto livre das amarras que toda criança interna tem frente a sociedade quando saem do peito de nós adultos e são repreendidas por serem puras.

Assim foi a primeira vez que me vi livre de fato.
Mexi com o sonho de viver assim, feliz sem medo dos julgamentos
Acreditei tanto que deixei-me menino, frágil e sensível, bobo de tão feliz
Não enxerguei que nada havia mudado no mundo e me expus.
Dei meus mais nobres sentimentos, a minha verdade, tudo aquilo que escondi para não ser ferido.
Afinal o que fiz? Joguei um menino bobo em uma arena de leões. E ele os chamou de gatinhos.


   

Pesquisa